(...) Reina em minha alma uma admirável serenidade, semelhante à doce manhã de Primavera cujas delícias estou gozando. Estou só, e gozo o encanto de viver numa região que foi criada para almas como a minha. Sinto-me tão feliz, meu amigo, tão abismado no sentimento da minha existência, que o meu talento sofre com isso. Não poderia desenhar um traço, e todavia nunca fui maior pintor. Quando a bruma do vale se levanta diante de mim, que por cima da minha cabeça o sol lança a prumo os seus raios sobre a impenetrável abóboda da densa floresta, e que apenas alguns escassos raios esparsos deslizam atá ao fundo do santuário, e que eu, deitado no chão entre as altas ervas, perto de um regato, descubro na espessura da relva mil plantazinhas desconhecidas, é que o meu coração sente mais perto a existência desse minúsculo mundo qual formiga por entre a erva, dessa multidão incontável de minúsculos vermes e insectos de todas as formas, e que sinto a presença do Todo-Poderoso que nos criou à sua imagem e o hálito do Muito-Amante que consigo nos leva e nos ampara a flutuar num mar de eternas delícias: meu amigo, quando o mundo infinito começa assim a despontar ante os olhos, e que reflicto o céu no meu coração como a imagem de uma bem amada, então suspiro cá dentro: «Ah!, se soubesses exprimir o que sentes!, se pudesses exalar e fixar no papel essa vida que corre em ti comtanta abundância e calor, de maneira que o papel venha a ser o espelho da tua alma, como a tua alma é um espelho de um Deus infinito!...» Meu amigo...Mas sinto-me sucumbido ao poder e majestade destas aparições.
(...) Como me sinto feliz por ter um coração feito para sentir as alegrias inocentes e simples do homem que põe na sua mesa a couve que ele próprio cultivou! Não goza apenas a couve, mas relembra ao mesmo tempo a bela manhã em que a plantou, as deliciosas tardes em que a regou, e o prazer que sentia dia a dia ao vê-la crescer.
(...) Sim, meu amigo, é pelas crianças que o meu coração mais se interessa neste mundo. Quando me ponho a examiná-las, e que vejo naqueles pequeninos seres o gérmen de todas as virtudes, de todas as faculdades que eles hão-de ter necessidade de desenvolver um dia, quando descubro na sua pertinácia o que virá a ser a constância e força de carácter, quando verifico na sua petulância e até nas suas astúcias o humor jovial e ágil que os há-de fazer deslizar através dos escolhos da vida, e tudo isto tão franco, tão puro!...
(...) À noite, proponho-me gozar o nascer do Sol e de manhã fico na cama. Durante o dia prometo a mim mesmo admirar o mar e não deixo o quarto. Não sei bem porque me deito e me levanto. O fermento que fazia levedar a minha vida falta-me, o encantamento que me mantinha desperto durante a noite e me que me arrancava ao sono da manhã, desapareceu.
(...) Muitas vezes me prostrei no chão para pedir lágrimas a Deus, como um lavrador pede chuva quando vê por cima da cabeça um céu de bronze e a terra ao redor de si a morrer de sede.(...)